Eu mereço ser amada.

Karoline Siqueira
3 min readNov 29, 2021

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As vezes eu quero me esconder, todas as vezes em que não me sinto suficiente pra você. Mas poucas vezes me sinto assim, geralmente eu sinto quando é só pra mim.

Suficiente, o que é ser suficiente? Eu já me questionei tantas vezes. Correndo de lado a lado, tentando caminhos vários, diferentes…pra ver se eles me levam de encontro à sensação de que eu valho, existo, e sou vista para além do meu corpo e do que aparento.

Extremamente sexualizada. A vida toda, eu diria. “Você é muito bonita, sabia?” eles me diziam antes mesmo que eu pudesse pensar em ser gente grande. Eu era só uma menina. Gostaria de ter dito em todas as vezes “sou apenas uma menina”

E agora essa menina tá aqui dentro, buscando validação, tentando se sentir alguma coisa. Embora eu tenha me esforçado muito e me tornado muitas coisas, será que elas são reais? No final eu sou sempre vista dessa forma: apenas um corpo. Prazer pro outro.

Como se aqui não fluíssem sentimentos. Raiva de abusos, raiva de parentes. Raiva de qualquer homem que continue me reduzindo a bunda, peito e pente.

Eu tento gritar que sou mais do que isso. Vejam, olhem pra mim: eu também sou inteligente. E no final acabo sentindo culpa por tentar mostrar qualquer coisa. É mais fácil mostrar aquilo à que me reduzem. Eu também sou sexy, mas isso não faz de mim menos gente.

Carrego o abuso nas costas, na história. Eles me diziam “você é muito bonita, sabia?” com olhar malicioso desde que eu tinha 6, ou 5, ou 4. Eu ainda sou menina, moço. Ou será que sou menina moça? Mas ninguém me defendia. Ninguém dava limites naquele adulto que sempre fazia o que bem entendia.

E quando eu sinto raiva de homem, eles ousam me dizer que eu deveria ser mais suave, que nem “todos eles”, que assim eu nunca vou namorar. Vê lá se eu quero namorar com essa gente.

Eu quero alguém que me veja, quase que escrevo em todos os cantos que quero ser amada. O anúncio diz “busco alguém que me enxergue além da aparência, do corpo, que saiba me valorizar, que queira descobrir quem eu realmente sou antes de me usar pra gozar”.

Às vezes eu crio coragem e grito minha raiva. Outras vezes (e elas são muitas) eu saio confusa expondo por aí tudo aquilo que eu acredito que vai me fazer ser mais validada; e isso me bagunça mais ainda. Muitas vezes (e essas são as que mais gosto) eu só solto a poesia. Como essa aqui em texto. E aí eu digo tanto, de forma sutil, sem diretamente dizer. E, na maior parte das vezes, eu só quero sumir e me esconder.

Me esconder desse mundo que quando eu abri os braços sendo apenas uma criança procurando abrigo, amor e presença: me pegou, me estuprou, me abusou e sequer me pediu licença. Meu corpo acostumou a ser invadido. E ai de todos eles, que acreditam que tanto me respeitam só porque não me estupram. Acreditam que me fazem um favor apenas com consentimento.

Consentimento, homens, é o mínimo. Vocês fazem um pouco do mesmo quando aproveitam bem da noite e somem em um segundo. Quando não se comprometem, quando não se comunicam. Quando me chamam de louca se eu assim questiono. Vocês fazem um pouco do mesmo quase sempre, porque não sabem amar. Com o discurso de que não aprenderam e assim não podem dar. Me poupem. O que vários de vocês me ensinaram é que eu serei vista apenas como um corpo, não importa o que eu faça. E mesmo assim eu insisto em me refazer, me recriar e ser melhor. Porque eu não vou me reduzir apenas àquilo que me ensinaram.

Vocês deveriam fazer o mesmo e parar de usar mulheres. Começar a amar mulheres.

Saiam daqui aqueles que não são capazes de me ver além do corpo. Eu sou muito mais do que apenas uma menina bonita. E abusada. Eu sou uma mulher gigante que deseja — e merece — ser amada.

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Karoline Siqueira

Psicóloga, mãe, escritora. Espiritualidade, autoconhecimento, autorregulação emocional e a maternidade real são meus pilares.