A angústia

Karoline Siqueira
2 min readSep 28, 2020

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Se engana quem acredita que ela um dia tem fim ou então solução. Se engana quem sonha esperando que ela um dia se resolva e deixe de existir. “Quando eu tiver/fizer/ser tal coisa…” não, a angústia não vai embora.

Fonte inesgotável do viver, talvez ela seja parte desse contrato louco que não é nem assinado, mas é tido com a vida desde que aqui pisamos. É necessário a existência da angústia pra fazer movimentar tantas coisas (dentro e fora) de nós.

Queremos que ela pare, mas não pensamos que sem ele talvez não buscaríamos melhoras ou mudanças; que sem ela não nos movimentaríamos em direção a não-se-sabe-o-que, procurando não-se-sabe-onde, encontrando o que também pouco se sabe, por uma força maior que nos empurra, apenas nos empurra, em direção a esse desconhecido.

A angústia anda de mãos dadas com o intuitivo, esse campo de poucos saberes concretos, mas muita sabedoria abstrata. E quando a gente chega do lado de lá empurrado por não sei que força (essa intuição) e percebe que de fato ela nos levou aonde precisávamos, é uma surpresa cheia de “é isso, eu sabia”…sabia não, você sentia.

Sentir. Tá aí outra coisa que, sem angústia, não existiria tão complexo, tão completo. É preciso uma dose de angústia pra se permitir viver e experimentar as outras tantas emoções. Pois sem angústia não conseguiríamos buscar algo diferente, se acostumaria com um lugar só.

Veja, precisamos parar com essa mania de querer resolver a angústia. É isso que nos faz permanecer dentro dela, se afogando na lama, por tanto tempo. Há de se aceitar e abraçar a angústia que faz parte do viver. Há de se experimentar ela pelo tempo necessário. E há de se movimentar para lugares diferentes quando ela partir.

A angústia dá um tempo de nós sozinha, porque é ela que nos habita e não nós que a habitamos. Ela é um lugar do qual se pode estender, ou do qual se pode baixar a guarda e aproveitar os aprendizados. E ela é um lugar que nos toma sem que possamos decidir sobre isso. Só se pode decidir o que fazer quando estamos nesse lugar tão estranho e ao mesmo tempo tão necessário.

A angústia dá um medo…como se nos perguntássemos: vou sobreviver de tudo isso? Sim, há de se sobreviver. Ninguém morre de angústia, morre ou mata-se por não saber lidar com ela. Aceitar. Abraçar. A angústia é um convite que se apresenta constantemente e o qual quanto mais se evita, mais dela se experimenta. A ironia é que quando se aceita, ela dá por concluída a lição de entrega e nos libera (até que chegue a próxima festa e o convite seja refeito).

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Karoline Siqueira

Psicóloga, mãe, escritora. Espiritualidade, autoconhecimento, autorregulação emocional e a maternidade real são meus pilares.